sexta-feira, 3 de abril de 2009

A luta pela honra


Aos 28 anos de idade Mukhtaran Bibi descobriu o quão cruel é o mundo machista em que vive.

Ela foi estuprada por quatro homens como punição por uma acusação sofrida por seu irmão de 12 anos. Numa terra em que disputas são resolvidas por conselhos tribais, os clãs mais poderosos são quem detém o monopólio das decisões, e as mulheres são usadas como moeda de troca de ofensas.

As mulheres que sofrem esse tipo de violência normalmente cometem o suicídio, e Mukhtaran Bibi realmente pensou nisso. Mas depois, encontrou forças para lutar contra seus agressores, mesmo sendo pobre e analfabeta. Ela contou com o apoio de sua família, uma coisa rara em uma situação como essa no Paquistão, e ainda teve a sorte de um jornal contar sua história, que logo se espalhou por jornais de vários países pressionando, assim, a Justiça paquistanesa a tomar uma atitude. No entanto, em segunda instância, dos 14 homens que foram processados (quatro estupradores e dez testemunhas que se omitiram), cinco foram absolvidos e Mukhtaran recorreu.

Ela mudou de nome e tornou-se Mukhtar Mai, "grande irmã respeitada", e com o dinheiro da indenização recebida, construiu uma escola para meninas no seu vilarejo. Mukhtar resolveu combater a violência contra as mulheres através da educação.

Seu caso tornou-se mais famoso ainda com a publicação de seu relato no livro "Desonrada", escrito com a colaboração da jornalista francesa Marie-Thérèse Cuny, onde conta sobre a decisão do júri, a violência que sofreu, e a sua luta por Justiça. Relata também uma outra violência sofrida por ela, bem mais sutil, no entanto tão ou mais ofensiva. Depois de ser considerada um símbolo da luta dos direitos das mulheres, Mukhtar Mai foi impedida de falar na ONU, pois o primeiro-ministro do Paquistão também discursaria, e isso poderia tornar-se uma saia-justa para ele e fazer com que a imagem do país fosse manchada. Ela foi mantida incomunicável no Paquistão, para que os jornais e ativistas não pudessem mostrar seu descontentamento com isso. Isso mostra que questões políticas em instituições consideradas avançadas podem ser tão nocivas quanto um arcaico sistema tribal que já havia vitimado essa mulher.

Além de livro, em 2006 sua história tornou-se um documentário dirigido por Mohammed Naqvi, chamado "Shame", e logo inspirará um longa ficcional dirigido por Katia Lund, que co-dirigiu Cidade de Deus. Assista o trailler (em inglês) de "Shame".



Apesar de tudo, Mukhtar Mai continua firme na luta por sua dignidade. Sua vingança contra os agressores a fizeram ajudar milhares de outras mulheres que também sofreram e sofrem com o femicídio e a procuram para buscar ajuda: "Algumas mulheres me disseram que se fossem espancadas pelos maridos não exitariam em ameaçá-los: 'Cuidado, vou me queixar a Mukhtar Mai!'. Era um gracejo. Mas a realidade é que estamos o tempo todo no limite do trágico".

Ela tornou-se um ponto de luz em uma noite escura demais.

1 comentário:

  1. Excelente post (texto).... O bom é pensar, debater e refletir assuntos que hoje parecem incoporados à sociedade, é impressionante o modo como as pessoas estão apáticas às questões tão sérias.
    Que existem diferentes culturas, sociedades e costumes é fato mas voltemos a Inglaterra caótica e a manutenção da ordem que fez com que a Bill of rights fosse redigida, não há no mundo costume ou cultura que possa omitir o direito de qualquer indivíduo de ser "segurado" humanamente, uma violência dessas só me faz pensar que milhares ou milhões de pessoas no mundo se quer um dia vão ter suas histórias contadas, que outras milhares morrerão ou acabarão com a própria vida.
    O que acredito mostra a todos nós que nosso mundo não se resume ao nosso nariz ou umbigo, somos parte viva deste mundo e temos que nos tornar atuantes neles, se eu não posso mudar o mundo todo, com certeza posso mudar o de quem me cerca, porque a vida não passa de um punhado de escolha que tomamos.E são essas escolhas que constroem o mundo do futuro, e graças a atitude desta paquistanesa o mundo das mulheres que vivem lá ainda respira o último afago de esperança.
    Parabéns pelo texto Beatriz, você se tornou a parte atuante da qual falei.

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